Ministro da Defesa revela bastidores do 8 de janeiro e defende: “Golpista não precisa de Constituição”

"Desejo muito que esses inquéritos se encerrem, porque só aí nós vamos deixar de fazer conjecturas e achismos"

Ministro Múcio no centro do Roda Viva
Reprodução TV Cultura

Em uma entrevista marcante ao programa Roda Viva da TV Cultura nesta segunda-feira (10), o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, trouxe à tona revelações cruciais sobre os eventos que precederam e sucederam o 8 de janeiro de 2023, além de apresentar uma análise contundente sobre o papel das Forças Armadas na democracia brasileira.

A declaração mais emblemática da noite veio quando Múcio abordou as especulações sobre o uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) como instrumento para uma possível ruptura institucional. “Nunca houve ameaça de golpe com GLO. O golpista não precisa de Constituição, de livro, de regra”, afirmou o ministro, estabelecendo um marco importante no debate sobre os eventos recentes da história política brasileira.

Os bastidores do 8 de janeiro

Em um relato minucioso e até então inédito, Múcio reconstituiu os momentos que antecederam a invasão dos prédios dos Três Poderes. Como ministro da Defesa recém-empossado em dezembro de 2022, ele acompanhava diariamente a movimentação nos quartéis, onde cerca de 45 mil manifestantes se concentravam em todo o Brasil, protestando contra o resultado das eleições presidenciais.

“Quando assumi, eu passava diariamente nos quartéis. No Brasil inteiro, havia 45 mil manifestantes que não aceitavam o resultado da eleição e se diziam democratas”, revelou o ministro, descrevendo um cenário complexo onde “familiares de militares compunham grande parte dos acampados.”

A divisão silenciosa nas Forças Armadas

Um dos aspectos mais reveladores da entrevista foi a descrição da divisão interna nas Forças Armadas durante aquele período. Múcio identificou dois grupos distintos: os legalistas e aqueles que, embora contrariados com o resultado eleitoral, mantinham suas atividades profissionais regulares.

“Você tinha dois tipos: legalistas e os que estavam indignados com o resultado da eleição, mas que iam trabalhar, deixavam suas famílias lá. Ninguém mexia, não havia nenhuma provocação”, explicou o ministro, revelando como essa dinâmica permitiu um convívio relativamente pacífico entre diferentes posições ideológicas dentro das instituições militares.

O dia da ruptura

O relato do ministro sobre o próprio 8 de janeiro trouxe novos elementos para a compreensão daquele domingo histórico. Múcio estava almoçando quando recebeu uma ligação do então governador de Brasília, garantindo que tudo estava sob controle. Meia hora depois, a situação mudaria drasticamente.

“Eu estava almoçando quando recebi um telefonema do governador de Brasília, isso era mais ou menos duas horas da tarde, dizendo que estava tudo sem problema”, relembrou o ministro. “Meia hora depois me telefonam dizendo que chegou um monte de ônibus e as pessoas estavam descendo para a Praça dos Três Poderes.”

A ausência de liderança clara

Um dos pontos mais intrigantes da análise de Múcio foi a constatação da ausência de uma liderança definida durante os atos de vandalismo. “Não havia um chefe, não havia ninguém armado, não havia ninguém com quem você pudesse dialogar”, descreveu o ministro, sugerindo que os verdadeiros organizadores podem ter se distanciado do movimento no momento crítico.

O papel das investigações

Múcio enfatizou a importância das investigações em curso para esclarecer definitivamente a natureza dos eventos. “Desejo muito que esses inquéritos se encerrem, porque só aí nós vamos deixar de fazer conjecturas e achismos”, afirmou o ministro, destacando que apenas com a conclusão das investigações será possível determinar se houve um plano golpista arquitetado.

A GLO e o contexto constitucional

A Garantia da Lei e da Ordem, mecanismo previsto na Constituição Federal, ganhou destaque especial no debate. O instrumento, que permite o emprego das Forças Armadas em situações excepcionais de preservação da ordem pública, foi objeto de intensas discussões após os eventos de janeiro.

A decisão do presidente Lula de não decretar GLO após os atos antidemocráticos refletiu uma avaliação estratégica do governo. Assessores próximos ao presidente consideraram que a medida poderia conferir poderes excessivos aos militares em um momento de sensibilidade institucional.

O futuro das relações civil-militares

Olhando para o futuro, Múcio defendeu a necessidade de um diálogo construtivo com as Forças Armadas. “Eu acho que a gente tem margem para conversar, sem viés eleitoral, sem viés partidário, sem polarização, porque as Forças Armadas são guardiãs do país”, argumentou o ministro.

Reflexões sobre democracia e instituições

A entrevista de Múcio ao Roda Viva representa mais que um simples depoimento sobre eventos passados. Suas declarações oferecem uma oportunidade de reflexão sobre o papel das instituições democráticas e a importância de sua preservação.

O ministro caracterizou os eventos do 8 de janeiro como uma “grande baderna” patrocinada por “empresários irresponsáveis”, distanciando-se de interpretações que poderiam sugerir uma tentativa organizada de golpe de Estado. “Se não foi golpe, aquilo foi uma grande baderna, um conjunto de baderneiros patrocinado por alguns empresários irresponsáveis que acharam que rasgando quadro, derrubando estátua, quebrando relógio estavam fazendo um movimento político”, concluiu.

Perspectivas para o futuro

As revelações e análises apresentadas por Múcio abrem caminho para um debate mais amplo sobre o fortalecimento das instituições democráticas brasileiras. A necessidade de estabelecer limites claros entre manifestações legítimas e atos antidemocráticos, bem como a importância de preservar a independência e profissionalismo das Forças Armadas, emergem como lições cruciais desse episódio histórico.

O depoimento do ministro da Defesa ao Roda Viva não apenas esclarece aspectos importantes dos eventos recentes, mas também contribui para a construção de um entendimento mais profundo sobre os desafios da democracia brasileira no século XXI. Suas palavras servem como um lembrete da importância do diálogo institucional e do respeito às regras constitucionais para a preservação da ordem democrática.

Assista a entrevista completa do Ministro Múcio no Roda Viva

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