Congresso aprova regras para emendas parlamentares mas mantém brecha de transparência

Conheça as novas regras para emendas parlamentares aprovadas pelo Congresso Nacional e entenda por que o STF e entidades de transparência apontam falhas

Foto do palácio do Congresso Nacional em um dia de sol, o espelho d'água em frente ao palácio reflete a imagem da construção.
Reprodução Câmara dos Deputados

O Congresso Nacional aprovou nesta quinta-feira (13/03/2025) um conjunto de novas regras para adequar o processo de indicação de emendas parlamentares ao Orçamento, seguindo determinações do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar do esforço para aumentar a transparência, o texto aprovado mantém brechas significativas que, na prática, continuam ocultando a identidade dos parlamentares responsáveis pelos repasses de verbas.

A proposta, apresentada como uma tentativa de implementar o plano aprovado pelo Supremo para retomar o pagamento de emendas e garantir maior transparência aos recursos, ainda é considerada insuficiente tanto por entidades de fiscalização quanto pelo ministro Flávio Dino, relator do caso no STF.

As emendas parlamentares representam uma parcela cada vez mais expressiva do Orçamento da União. Esses recursos são destinados por deputados e senadores a seus redutos eleitorais para financiar obras e projetos locais, formando uma importante conexão entre o Legislativo federal e as bases políticas nos municípios e estados.

Por que o STF bloqueou as emendas parlamentares?

Desde 2023, o Supremo Tribunal Federal vem sistematicamente suspendendo o pagamento das emendas parlamentares devido à falta de transparência no processo. Três problemas principais foram identificados pela Corte:

  1. Impossibilidade de identificar qual parlamentar fez o repasse dos recursos
  2. Dificuldade em rastrear o pagamento das emendas e verificar onde os valores foram efetivamente aplicados
  3. Ausência de critérios claros para a distribuição das verbas, que frequentemente ficavam concentradas nas mãos de poucos líderes

O STF argumenta que a sociedade precisa saber com clareza se o dinheiro público está sendo bem aplicado ou se está sendo desviado por esquemas criminosos. A transparência, portanto, não é apenas uma questão formal, mas uma necessidade para o controle democrático dos gastos públicos.

O que muda com a nova resolução do Congresso?

Tentando atender às exigências do Supremo, a nova resolução estabelece critérios mais detalhados para a aprovação e execução de emendas parlamentares. O texto aprovado também alinha o processo de indicações à lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em novembro de 2024.

Entre as principais novidades estão mudanças na Comissão Mista de Orçamento (CMO), responsável por analisar as propostas orçamentárias no Congresso, e a criação de modelos padronizados de atas para documentar como ocorreu o procedimento de análise e aprovação de emendas tanto nas comissões quanto nas bancadas estaduais.

Essas atas são apresentadas pelo Congresso como a principal garantia de transparência do novo sistema. No entanto, uma análise mais detalhada revela problemas significativos.

As brechas que ainda permitem ocultar os padrinhos das emendas

Apesar dos avanços, os documentos criados pela nova resolução mantêm brechas que permitem ocultar a identidade dos verdadeiros padrinhos das emendas. Na avaliação de entidades como Transparência Internacional, Transparência Brasil e Associação Contas Abertas, essa falha pode ferir o acordo firmado com o STF.

“A proposta ignora o ponto central das determinações feitas até o momento pelo STF e insiste em institucionalizar a prática característica do ‘orçamento secreto’ em suas diversas versões históricas: a ocultação dos autores de proposições e indicações de emendas”, afirmam as organizações em nota conjunta.

O presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), por sua vez, defendeu que a nova resolução garante “transparência e rastreabilidade das emendas”. Alcolumbre, que participou ativamente da elaboração do texto junto ao presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), classificou as medidas como necessárias para a execução do Orçamento de 2025, que ainda sofre atrasos devido à disputa jurídica em torno das emendas.

“É uma resposta urgente, inadiável e necessária que coloca em trilhos novamente a execução orçamentária de maneira a garantir a transparência e a rastreabilidade das emendas parlamentares em conformidade com as diretrizes firmadas na Constituição Federal”, declarou o senador.

Como funcionam as emendas de comissão na nova resolução

As emendas de comissão são recursos indicados por colegiados temáticos no Congresso, tanto da Câmara quanto do Senado. Diferentemente de outros tipos, essas emendas não têm execução obrigatória, ou seja, não são impositivas.

Essa categoria não possui valor previamente definido, nem um mecanismo automático de distribuição entre os diferentes colegiados. O montante destinado a esse tipo de emenda é definido anualmente, conforme as negociações políticas para a aprovação do Orçamento.

Nos últimos anos, as emendas de comissão sofreram um aumento expressivo. Esse crescimento ocorreu principalmente depois que o STF declarou inconstitucionais as emendas de relator, conhecidas popularmente como “orçamento secreto”. As emendas de comissão não apenas herdaram os valores, mas também mantiveram a opacidade que caracterizava o modelo anterior.

Os problemas de transparência com esse tipo de recurso foram o principal alvo das decisões da Corte que bloquearam o pagamento das emendas parlamentares. Contudo, a resolução aprovada pelo Congresso mantém as mesmas falhas.

Na nova versão do texto, o relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), abriu a possibilidade de que parlamentares indiquem individualmente suas emendas às comissões. Inicialmente, a proposta apresentada pela Câmara e pelo Senado definia que as propostas de indicações seriam analisadas primeiro internamente, dentro das bancadas partidárias.

Pela regra original, caberia aos parlamentares membros de cada sigla aprovar as sugestões de emendas e enviá-las para aprovação final dentro das comissões. Com o novo texto, os líderes continuarão podendo fazer indicações, mas parlamentares individuais também terão essa possibilidade.

É justamente no processo entre a indicação dos líderes e a análise pelas comissões que está a primeira brecha para ocultar os verdadeiros padrinhos. Na ata que os líderes enviarão às comissões detalhando valores e favorecidos pelas emendas, não há qualquer campo destinado ao nome do parlamentar que solicitou originalmente a emenda.

Depois de aprovar quais serão as indicações acatadas — tanto as apresentadas por líderes quanto as eventualmente sugeridas de forma individual —, a comissão deverá enviar uma nova ata com os detalhes das emendas ao governo federal. Nesse documento, existe um campo para indicar qual deputado ou senador pediu a emenda, mas não há regra clara sobre se, neste espaço, deverá constar o nome do verdadeiro padrinho ou, de forma genérica, apenas do líder partidário que encaminhou os pedidos aos colegiados — mecanismo amplamente utilizado atualmente para diluir responsabilidades.

Entidades de transparência afirmam que a medida contraria a própria Constituição Federal: “Vale lembrar que a Constituição prevê emendas individuais, de comissão e de bancadas estaduais, no entanto, não há qualquer previsão sobre emendas de bancadas partidárias”.

As regras para emendas de bancada estadual

Emendas de bancada são destinações de recursos do Orçamento definidas pelo grupo de parlamentares que representa um estado no Congresso. Diferentemente das emendas de comissão, elas têm execução obrigatória pelo governo federal.

Pela resolução aprovada, cada estado terá direito a até 11 emendas, sendo que três delas devem ser destinadas exclusivamente para concluir obras já iniciadas, o que representa uma tentativa de reduzir o número de obras paradas pelo país.

As indicações, de acordo com o texto aprovado pelo Congresso, terão de ser aprovadas por três quartos dos deputados e dois terços dos senadores que compõem cada bancada estadual, estabelecendo um quórum significativo para aprovação.

Contudo, assim como nas emendas de comissão, há brechas para ocultar o padrinho também nessa categoria. Entidades de transparência avaliam que a resolução não atende completamente ao compromisso firmado pelo Congresso e pelo governo para identificar claramente os parlamentares solicitantes das emendas.

No processo de aprovação, as bancadas estaduais de deputados e senadores votam primeiro quais indicações serão feitas pelo grupo ao Orçamento. Neste momento inicial, o modelo de ata previsto na resolução estabelece que deve ser informado o parlamentar solicitante da emenda.

No entanto, existe uma segunda ata, que será o documento oficialmente válido para fins de execução orçamentária. Este documento, que será enviado ao governo federal, não contém qualquer campo para identificação do padrinho original, criando uma descontinuidade no processo de transparência.

Atendendo parcialmente aos pedidos do Supremo, a resolução estabelece que as emendas de bancada deverão informar de forma “precisa” o local em que os recursos serão utilizados. Também define que um estado não poderá enviar emendas para outro, salvo em caso de “projetos de amplitude nacional” — uma exceção que pode ser usada para contornar a regra geral.

Como funcionarão as emendas individuais e PIX

As emendas individuais, como o próprio nome sugere, são indicadas diretamente por cada parlamentar. Assim como as emendas de bancada, têm execução obrigatória pelo governo federal.

Segundo a resolução aprovada, as emendas individuais poderão chegar a até 2% da receita corrente líquida (soma da arrecadação) do ano anterior. O montante total será dividido de forma desigual entre os parlamentares de cada Casa, seguindo os seguintes percentuais:

  • 1,55% dos recursos de emendas individuais devem ser partilhados entre deputados
  • 0,45% entre senadores

A resolução prevê ainda que, nas transferências especiais — as chamadas “emendas PIX” — os recursos devem ser destinados “preferencialmente para a conclusão de obras inacabadas”, numa tentativa de reduzir o número de projetos inacabados pelo país.

As “emendas PIX” já foram alvo de outras alterações para atender a requisitos do Supremo. Elas são caracterizadas por serem repassadas diretamente para os caixas dos entes federados sem a necessidade de celebração de convênios, mas agora precisarão indicar explicitamente o local onde o dinheiro será utilizado.

Mudanças na análise do Orçamento

A nova resolução do Congresso também estabelece mudanças importantes no rito de análise das emendas. As alterações foram sugeridas pelo relator da proposta, senador Eduardo Gomes (PL-TO), e visam reorganizar o fluxo de trabalho dentro do Legislativo.

De acordo com o texto aprovado, a Comissão Mista de Orçamento não poderá votar as emendas às leis orçamentárias sem que o Comitê de Admissibilidade de Emendas aprecie previamente as indicações, criando uma etapa adicional de verificação.

A resolução também concede poder à CMO para criar novas normas complementares para o processo de análise de emendas parlamentares, o que na prática permite ajustes futuros sem necessidade de nova votação pelo plenário.

No início desta semana, as direções do Congresso circularam uma versão preliminar da proposta de resolução que previa a criação de uma Secretaria Especial do Orçamento, que estaria sobreposta às já existentes consultorias de Orçamento e seria vinculada diretamente ao presidente do Senado e do Congresso.

A criação desse órgão foi duramente criticada por diversos parlamentares, que argumentaram que a medida concentraria poderes excessivos nas mãos do presidente do Congresso. Na versão final aprovada nesta quinta-feira, a criação desse novo órgão foi descartada após a repercussão negativa.

Além das mudanças no funcionamento da CMO, a resolução aprovada pelo Congresso também prorroga o mandato da atual composição do colegiado misto até o fim da aprovação do Orçamento de 2025, que está atrasado devido ao impasse jurídico em torno das emendas.

O que acontece com as emendas já aprovadas?

Para atender às determinações do Supremo Tribunal Federal, a resolução aprovada prevê que as comissões da Câmara e do Senado deverão ratificar todas as emendas já aprovadas pelos colegiados para o Orçamento de 2024, em uma espécie de revisão retroativa.

Na nova análise, de acordo com o texto, as comissões deverão seguir os novos formatos de atas, tentando atender às determinações para identificar os padrinhos verdadeiros das indicações. Essa medida, segundo parlamentares, foi incluída para destravar definitivamente o pagamento de emendas de comissão que foram bloqueadas por decisões anteriores do ministro do STF Flávio Dino.

Da mesma forma, as bancadas estaduais também deverão ratificar as emendas que já foram aprovadas para o Orçamento deste ano. Segundo a resolução, os estados precisarão readequar as indicações aos novos modelos de atas. Se não houver essa adequação, as emendas não poderão ser executadas, o que representa um forte incentivo para a rápida implementação das novas regras.

O impasse das emendas e seus impactos no Orçamento

Em 2024, o montante reservado para as emendas parlamentares foi de aproximadamente R$ 52 bilhões, um valor expressivo que representa parcela significativa dos investimentos públicos federais. Por vários meses, o pagamento dessas verbas foi interrompido para atender a decisões do Supremo Tribunal Federal, que exigia mecanismos mais transparentes para identificar os padrinhos das indicações.

O impasse chegou ao fim em março, com a aprovação unânime pelos ministros da Corte de um plano de trabalho elaborado conjuntamente pelo Congresso e pelo governo federal. A principal promessa desse documento é que, a partir de 2025, não será mais possível executar emendas sem a identificação clara do parlamentar solicitante.

O atraso na liberação das emendas causou forte pressão política sobre o governo e o Judiciário, especialmente em um ano eleitoral como 2024, quando prefeitos e vereadores dependiam desses recursos para realizar obras e ações que pudessem ser apresentadas como realizações de suas gestões durante a campanha.

Perspectivas e desafios para o futuro das emendas parlamentares

O modelo aprovado pelo Congresso representa um avanço em relação ao sistema anterior, mas ainda está longe de atender plenamente às exigências de transparência defendidas pelo Supremo Tribunal Federal e por entidades da sociedade civil.

As brechas que persistem no sistema, permitindo a ocultação dos verdadeiros padrinhos das emendas, podem fazer com que o tema retorne à pauta do STF nos próximos meses, especialmente se o ministro Flávio Dino, relator do caso, entender que o Congresso não cumpriu adequadamente o acordo firmado.

A transparência no uso dos recursos públicos é um pilar fundamental para o combate à corrupção e para a eficiência dos gastos governamentais. A possibilidade de identificar claramente quais parlamentares destinam recursos para determinadas obras ou projetos permite não apenas o controle social, mas também a responsabilização política nas urnas.

O debate sobre as emendas parlamentares está longe de ser encerrado e deverá continuar ocupando espaço importante na agenda política nacional. O equilíbrio entre a legítima prerrogativa do Legislativo de participar da elaboração orçamentária e a necessidade de transparência e controle continuará sendo um desafio para a democracia brasileira nos próximos anos.

Com a aprovação das novas regras, o Congresso espera normalizar a execução do Orçamento de 2025 e destravar o pagamento das emendas que estavam bloqueadas por determinação judicial. Resta saber se as mudanças serão suficientes para atender às expectativas do Supremo Tribunal Federal e da sociedade brasileira por maior transparência no uso dos recursos públicos.

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