*Matéria baseada em relatos contados nos canais do YouTube de Paula Ferreira e Estrela Smith. A TN&C não conseguiu verificar de maneira independente as informações, mas acredita na importância de contar essa história.
Em Campinas, poucas figuras marcaram a história da cena LGBTQIA+ como Suely Corrente, uma mulher trans que, no auge de sua fama, se tornou sinônimo de poder, glamour, controle e violência. Conhecida também como Suely Scala, a travesti que emergiu nos anos 90 teve uma trajetória de altos e baixos tão intensos que se tornaram parte do folclore da cidade. Seu nome foi repetidamente citado em rodas de conversas e entrevistas, especialmente nas narrativas de outras figuras influentes da comunidade trans. Entre essas figuras, estão Gigi Pavesi e Paula Ferreira, cujos relatos ajudaram a construir a história da Rainha das Correntes, como Suely ficou conhecida.
Através de entrevistas e vídeos no canal de Paula Ferreira, e também nos relatos de Gigi Pavesi no canal de Estrela Smith, foi possível entender a complexidade da personagem que, para muitos, foi uma referência de superação e, para outros, um exemplo trágico de como o poder pode consumir uma pessoa.
A origem de Suely Scala: do anonimato à superação
Suely Corrente nasceu em um contexto simples, sem as facilidades que a vida adulta lhe proporcionaria. Desde a infância, a travesti exibia traços que a faziam diferente: uma beleza afeminada que não passava despercebida. A história de Suely, no entanto, começa como a de tantas outras pessoas da comunidade trans: marcada por traumas, rejeição familiar e uma luta constante contra o preconceito.
Em sua juventude, Suely se envolveu em diferentes atividades, buscando uma forma de encaixar-se na sociedade ou, ao menos, encontrar alguma forma de pertencimento. Frequentou terapias na tentativa de mudar sua natureza afeminada, mas sem sucesso. Por mais que tentasse se encaixar nos moldes Suely não se encontrava em nenhum desses papéis. Sua identidade era muito mais complexa, e ela logo encontrou sua verdadeira forma como travesti.
O auge do poder: Suely e as correntes
Na década de 90, Campinas assistiu ao surgimento de uma nova figura de poder no universo LGBTQIA+: Suely Corrente. Ela se destacou especialmente no cenário da vida noturna, mais notavelmente em torno de boates e da movimentada Praça do Centro. Mas o que realmente a tornou uma figura temida e respeitada foi sua habilidade de manipular e controlar as outras travestis da cidade. Era a época de ostentação e luxúria, e Suely tinha tudo: dinheiro, carros de luxo e um exército de mulheres trans a seu comando. Relatos dão conta que seu casamento foi inclusive transmitido pelo SBT, uma apoteose para uma travesti naquela época.
No entanto, o que a separava de outras figuras influentes de sua época não era só o luxo que ela ostentava, mas também sua agressividade. Suely se tornou conhecida por suas atitudes violentas, usando métodos coercitivos para garantir que as outras travestis seguissem suas regras. Ela impunha a realização de procedimentos estéticos, como a colocação de silicone, para se aproximar do que considerava o “ideal de beleza”. Essas práticas tornaram-se parte da sua estratégia de controle, e qualquer tentativa de resistência era rapidamente sufocada com violência.
Segundo os relatos de Gigi Pavesi, uma figura chave dessa época e uma das travestis que conheceu Suely, as correntes eram usadas por Suely como uma forma de punição. “Ela era muito bonita, mas a maldade tomou conta dela”, lembra Gigi. “Ela batia nas outras travestis com correntes, enquanto o Rogério, seu marido, ficava armado ao lado, pronto para intervir caso alguém tentasse defender.”
A violência e o controle de Suely, que inicialmente eram utilizados para expandir seu império, também revelavam a faceta de uma mulher que, ao mesmo tempo em que conquistava, destruía. Ela usava sua força física e mental para submeter as outras travestis ao seu comando, forçando-as a realizar procedimentos, como a colocação de silicone, para manter um padrão de beleza e aceitação.
O luxo e a decadência: drogas e isolamento
No auge de sua trajetória, Suely vivia de forma ostentosa. Conduzia um Mitsubishi Eclipse com portas “estilo Batman”, oferecia caronas para shows e era tão reconhecida que a polícia a parava mais por curiosidade do que por possíveis infrações. Era uma mulher que, ao mesmo tempo, despertava medo e admiração. Mas esse estilo de vida luxuoso não durou para sempre. As drogas passaram a ser parte de sua rotina, e com elas veio a decadência.
A morte de seu marido, Rogério, que segundo relatos faleceu de câncer e outros dizem que foi uma IST, foi o ponto de virada na vida de Suely. Ele havia sido seu pilar emocional e financeiro, e sem ele, ela começou a perder o controle. Com o tempo, as dívidas, os conflitos e o consumo excessivo de substâncias químicas a levaram a uma queda cada vez mais profunda. Suely, que antes dominava a cidade, acabou se tornando um alvo fácil para outros, sendo violentada nas ruas e relegada ao esquecimento
A morte trágica: o fim de Suely
A morte de Suely Corrente ainda é envolta em mistério e tristeza. Histórias e lendas apontam que ela foi espancada enquanto dormia e jogada de um viaduto, mas ninguém sabe ao certo o que aconteceu. O fim trágico de Suely é uma alegoria da sua vida: do auge ao abismo, do luxo à rua, do poder à vulnerabilidade. A narrativa da vida de Suely é contada por Gigi Pavesi e Paula Ferreira, e se tornou parte do legado da comunidade trans de Campinas, lembrada por aqueles que a temiam e pelos que, no fim, sentiram pena dela.
“Suely foi do céu ao inferno. Ela viveu tudo intensamente, mas o poder e as drogas a consumiram”, afirmou Gigi Pavesi. “No final, até as pessoas que a temiam sentiram pena dela.”